As
festas juninas fazem parte da nossa cultura desde o século XVII e possuem esse
nome por justamente acontecer no referido mês de junho1. Além das
diversas danças e trajes típicos, temos as comidas e bebidas que completam o “Arraial”.
Para nós da FASFI/Campinas é uma grande oportunidade de distribuir alegria e,
junto com as inúmeras bandeirinhas coloridas que enfeitam a festa do Instituto
Educacional Imaculada, é também oportuno se doar na barraca que vende doces
típicos para prover os projetos sociais atendidos pela Fundação.
Curiosamente,
a origem das festas juninas tem sua base em rituais dos antigos povos
germânicos e romanos que prestavam homenagens a diversos deuses aos quais eram
atribuídas as funções de garantir boas plantações, boas colheitas, fertilidade
etc. Essas festas aconteciam durante a passagem do inverno para o verão, que,
no centro-sul da Europa, acontece no mês de junho e era realizada com muitos
balões, fogueiras, danças e cânticos1. “A religiosidade popular absorveu de forma
muito profunda essa mistura das festividades pagãs com a doutrina cristã”
(FERNANDES, 2016) e, com “a colonização do Brasil pelos portugueses a partir do
século XVI, as festividades juninas aqui foram se estabelecendo, sem maiores dificuldades,
e ganhando um feitio próprio” (FERNANDES, 2016).
Durante
essas festividades nos permitimos nos aproximar como grupo e dançar o “tour” ou o “balancê”, colocar roupas coloridas, fazer pintinhas no rosto das
meninas e bigode nos meninos, assim como nos alegramos com os encontros e com
as músicas. Os ruídos nesse período de festas juninas são, na maioria, de
bombas, foguetes, buscapés, estalinhos que nos fazem esquecer da tristeza que
envolve nossos dias atuais. O casamento forçado só acontece na quadrilha, a
única arma é a do pai da noiva, que se preciso for, com sua espingarda garante
o “casório” e a violência só aparece no empurra-empurra se for para dar espaço
e passar no “túnel” feito com as mãos dos pares ou para puxar o braço da
parceira e atravessar no “galope” de um lado a outro o espaço preenchido pela
dança.
Diferente
deste cenário colorido e musicalmente alegre, temos do outro lado do muro um
número alarmante de casos de violência nas mais diversas formas que nos
preocupam e amedrontam. A violência nas suas diferentes configurações, pode ser
caracterizada contra a mulher, a criança, o idoso, pela violência sexual,
política, psicológica, física, verbal, dentre outras (CAMARGO, 2016)2.
Um olhar rápido nas notícias atuais e encontraremos fatos que nos deixam
perplexos diante de tamanha crueldade. Crueldade no estupro coletivo, nas
mulheres que apanham todos os dias, nos jovens mortos por motivos banais, nas
discussões entre famílias, por agressões verbais sofridas na escola por seus
filhos, na exposição sem critério de fatos cotidianos nas mídias sociais, nos
idosos agredidos por seus “cuidadores’, nos filhos abandonados à sorte por seus pais que estão em busca de satisfação pessoal, ascensão
profissional, na droga ou na simples ausência do “amar” aquele que gerou ou
escolheu ser filho do coração.
Pesquisas
como o Atlas da Violência apontam que o Brasil bateu recorde no número de
homicídios que tem os negros em sua maioria3. Em março deste ano,
outro levantamento indicava que mais de um milhão de mulheres sofrem violência
doméstica no nosso país4 e, segundo dados do Superior Tribunal de
Justiça, a cada três horas uma mulher é estuprada no Brasil5. Esses
são alguns dos muitos exemplos de dados alarmantes que assombram nossa
realidade. O aumento do número de pessoas nos grandes centros, a circulação de
ônibus pelos bairros e a jornada de trabalho noturno são alguns dos motivos
para tamanho aumento na violência e nesse tipo de crime.
Diante
de um cenário agora cinzento e na maioria das vezes vermelho pelo sangue
derramado, nos esquecemos das bandeirinhas, das flores nos vestidos e toalhas
coloridas das mesas que se espalham pelas festas. A cantoria dos violeiros, os
acordes da sanfona agora são substituídos pelo silêncio da insegurança e do
medo de um dia ter feito ou fazer parte das estatísticas atualizadas
diariamente pelos órgãos responsáveis em encontrar uma saída para referido
problema. Os números cantados pelo responsável pelo bingo agora se tornam
distantes e são substituídos pelos gritos daqueles que agonizam e se sentem
sozinhos diante do que sofre todos os dias ou apenas uma vez, mas que possuem
marcas que talvez o tempo não consiga apagar.
E
para nós fica o convite intransferível, individual e coletivo de refletirmos o
quão violento temos sido com nossos entes queridos, com nosso amigos, nossos
colegas de trabalho, nossos filhos e, principalmente, nosso próximo que
insistimos em deixar do lado de fora da “festa” e bem longe do nosso “muro”.
Nos indignamos, mas não nos envolvemos. Não nos preocupamos com os que estão
inseridos em qualquer modalidade de violência porque ainda estamos anestesiados
em tentar apagar da memória aquele caso, aquela história ou imagem ou vídeo que
mesmo do outro lado da cidade, do estado, do país, do mundo nos atingem diretamente.
O
coração petrificado por tamanhos absurdos por um momento sofre por todos, mas
por achar ser impotente volta ao seu estado anterior e permanece estático
parecendo não pulsar. Estamos nos violentando a cada dia quando decidimos
aceitar que não podemos mudar, dedicar mais tempo aos que estão conosco e,
principalmente, nos envolver com àqueles que decidiram acompanhar de perto
essas pessoas. Deixemos nosso lugar de vítima e busquemos no compasso da
quadrilha uma forma de ajudar os que sofrem os mais diversos tipos de
violência, seja cumprimentando o
compadre ou a comadre que foi abandonado pela família num asilo, seja pegando
na mão da dama que está num abrigo para fazer um grande passeio e conversar e
assim esquecer as marcas da violência sofrida no “aconchego” do seu lar, seja
mentindo que havia cobra no caminho ou a ponte estava quebrada, apenas para
abrir um sorriso no rosto da criança que espera voltar para sua família ou seja
levando uma coberta ou um alimento em tantas instituições que acolhem todos os
tipos de vítimas.
Se
ao menos tentarmos fazer parte da grande roda poderemos, então, participar do
grande baile e dizer aos que estão ao nosso redor que embora saibamos que o
conceito de violência que é o “constrangimento, físico ou
moral, exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de
outrem”6, optamos pelo conceito de solidariedade “condição grupal
resultante da comunhão de atitudes e sentimentos, de modo a constituir o grupo
unidade sólida, capaz de resistir às forças exteriores e mesmo de tornar-se
ainda mais firme em face da oposição vinda de fora”6.
Lucilene Ap. Forcin Cazumbá
1. FERNANDES, Cláudio.
"Festas Juninas"; Brasil Escola. Disponível em
<http://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/festa-junina.htm>.
Acesso em 09 de junho de 2016.
2. CAMARGO, Orson. "Violência
no Brasil, outro olhar"; Brasil Escola. Disponível em
<http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/violencia-no-brasil.htm>.
Acesso em 09 de junho de 2016.
3. TAVARES, Flávia. “Brasil bate recorde no número de homicídios, segundo
Ipea”. Disponível em<http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/03/brasil-bate-recorde-no-numero-de-homicidios-segundo-ipea.html> Acesso
em 09 de junho de 2016.
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