Quem somos

A FASFI – Fundação de Ajuda Solidária Filhas de Jesus é uma organização civil, não governamental, sem fins lucrativos, fundada em 2003, na Espanha. No Brasil, apresenta-se como uma filial e conta com a participação de leigos voluntários e colaboradores, independentemente da crença religiosa. Essa fundação faz parceria com as irmãs Filhas de Jesus e busca globalizar a solidariedade.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Festa sim, violência não!



As festas juninas fazem parte da nossa cultura desde o século XVII e possuem esse nome por justamente acontecer no referido mês de junho1. Além das diversas danças e trajes típicos, temos as comidas e bebidas que completam o “Arraial”. Para nós da FASFI/Campinas é uma grande oportunidade de distribuir alegria e, junto com as inúmeras bandeirinhas coloridas que enfeitam a festa do Instituto Educacional Imaculada, é também oportuno se doar na barraca que vende doces típicos para prover os projetos sociais atendidos pela Fundação.
Curiosamente, a origem das festas juninas tem sua base em rituais dos antigos povos germânicos e romanos que prestavam homenagens a diversos deuses aos quais eram atribuídas as funções de garantir boas plantações, boas colheitas, fertilidade etc. Essas festas aconteciam durante a passagem do inverno para o verão, que, no centro-sul da Europa, acontece no mês de junho e era realizada com muitos balões, fogueiras, danças e cânticos1.   “A religiosidade popular absorveu de forma muito profunda essa mistura das festividades pagãs com a doutrina cristã” (FERNANDES, 2016) e, com “a colonização do Brasil pelos portugueses a partir do século XVI, as festividades juninas aqui foram se estabelecendo, sem maiores dificuldades, e ganhando um feitio próprio” (FERNANDES, 2016).
Durante essas festividades nos permitimos nos aproximar como grupo e dançar o “tour” ou o “balancê”, colocar roupas coloridas, fazer pintinhas no rosto das meninas e bigode nos meninos, assim como nos alegramos com os encontros e com as músicas. Os ruídos nesse período de festas juninas são, na maioria, de bombas, foguetes, buscapés, estalinhos que nos fazem esquecer da tristeza que envolve nossos dias atuais. O casamento forçado só acontece na quadrilha, a única arma é a do pai da noiva, que se preciso for, com sua espingarda garante o “casório” e a violência só aparece no empurra-empurra se for para dar espaço e passar no “túnel” feito com as mãos dos pares ou para puxar o braço da parceira e atravessar no “galope” de um lado a outro o espaço preenchido pela dança.
Diferente deste cenário colorido e musicalmente alegre, temos do outro lado do muro um número alarmante de casos de violência nas mais diversas formas que nos preocupam e amedrontam. A violência nas suas diferentes configurações, pode ser caracterizada contra a mulher, a criança, o idoso, pela violência sexual, política, psicológica, física, verbal, dentre outras (CAMARGO, 2016)2. Um olhar rápido nas notícias atuais e encontraremos fatos que nos deixam perplexos diante de tamanha crueldade. Crueldade no estupro coletivo, nas mulheres que apanham todos os dias, nos jovens mortos por motivos banais, nas discussões entre famílias, por agressões verbais sofridas na escola por seus filhos, na exposição sem critério de fatos cotidianos nas mídias sociais, nos idosos agredidos por seus “cuidadores’, nos filhos abandonados à sorte por seus pais que estão em busca de satisfação pessoal, ascensão profissional, na droga ou na simples ausência do “amar” aquele que gerou ou escolheu ser filho do coração.
Pesquisas como o Atlas da Violência apontam que o Brasil bateu recorde no número de homicídios que tem os negros em sua maioria3. Em março deste ano, outro levantamento indicava que mais de um milhão de mulheres sofrem violência doméstica no nosso país4 e, segundo dados do Superior Tribunal de Justiça, a cada três horas uma mulher é estuprada no Brasil5. Esses são alguns dos muitos exemplos de dados alarmantes que assombram nossa realidade. O aumento do número de pessoas nos grandes centros, a circulação de ônibus pelos bairros e a jornada de trabalho noturno são alguns dos motivos para tamanho aumento na violência e nesse tipo de crime.
Diante de um cenário agora cinzento e na maioria das vezes vermelho pelo sangue derramado, nos esquecemos das bandeirinhas, das flores nos vestidos e toalhas coloridas das mesas que se espalham pelas festas. A cantoria dos violeiros, os acordes da sanfona agora são substituídos pelo silêncio da insegurança e do medo de um dia ter feito ou fazer parte das estatísticas atualizadas diariamente pelos órgãos responsáveis em encontrar uma saída para referido problema. Os números cantados pelo responsável pelo bingo agora se tornam distantes e são substituídos pelos gritos daqueles que agonizam e se sentem sozinhos diante do que sofre todos os dias ou apenas uma vez, mas que possuem marcas que talvez o tempo não consiga apagar.
E para nós fica o convite intransferível, individual e coletivo de refletirmos o quão violento temos sido com nossos entes queridos, com nosso amigos, nossos colegas de trabalho, nossos filhos e, principalmente, nosso próximo que insistimos em deixar do lado de fora da “festa” e bem longe do nosso “muro”. Nos indignamos, mas não nos envolvemos. Não nos preocupamos com os que estão inseridos em qualquer modalidade de violência porque ainda estamos anestesiados em tentar apagar da memória aquele caso, aquela história ou imagem ou vídeo que mesmo do outro lado da cidade, do estado, do país, do mundo nos atingem diretamente.
O coração petrificado por tamanhos absurdos por um momento sofre por todos, mas por achar ser impotente volta ao seu estado anterior e permanece estático parecendo não pulsar. Estamos nos violentando a cada dia quando decidimos aceitar que não podemos mudar, dedicar mais tempo aos que estão conosco e, principalmente, nos envolver com àqueles que decidiram acompanhar de perto essas pessoas. Deixemos nosso lugar de vítima e busquemos no compasso da quadrilha uma forma de ajudar os que sofrem os mais diversos tipos de violência, seja cumprimentando  o compadre ou a comadre que foi abandonado pela família num asilo, seja pegando na mão da dama que está num abrigo para fazer um grande passeio e conversar e assim esquecer as marcas da violência sofrida no “aconchego” do seu lar, seja mentindo que havia cobra no caminho ou a ponte estava quebrada, apenas para abrir um sorriso no rosto da criança que espera voltar para sua família ou seja levando uma coberta ou um alimento em tantas instituições que acolhem todos os tipos de vítimas.
Se ao menos tentarmos fazer parte da grande roda poderemos, então, participar do grande baile e dizer aos que estão ao nosso redor que embora saibamos que o conceito de violência que é o “constrangimento, físico ou moral, exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a submeter-se à vontade de outrem”6, optamos pelo conceito de solidariedade “condição grupal resultante da comunhão de atitudes e sentimentos, de modo a constituir o grupo unidade sólida, capaz de resistir às forças exteriores e mesmo de tornar-se ainda mais firme em face da oposição vinda de fora”6.

Lucilene Ap. Forcin Cazumbá




1. FERNANDES, Cláudio. "Festas Juninas"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/datas-comemorativas/festa-junina.htm>. Acesso em 09 de junho de 2016.

2. CAMARGO, Orson. "Violência no Brasil, outro olhar"; Brasil Escola. Disponível em <http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/violencia-no-brasil.htm>. Acesso em 09 de junho de 2016.


4. BBC. Brasil. “Violência doméstica: 5 obstáculos que mulheres enfrentam para denunciar” Disponível em: <http://delas.ig.com.br/comportamento/2015-12-10/violencia-domestica-5-obstaculos-que-mulheres-enfrentam-para-denunciar.html> Acesso em 09 de junho de 2016.


5. Bom dia Brasil. “Uma mulher é estuprada a cada três horas no Brasil”. Disponível em: < http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/01/uma-mulher-e-estuprada-cada-tres-horas-no-brasil.html> Acesso em 09 de junho de 2016.

6. MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php> Acesso em 09 de junho de 2016



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